Páscoa – uma tradição portuguesa com mais de cinquenta anos

dança de roda páscoa

Foi na aldeia de Póvoa do Rodrigo Alves, em Tondela, no distrito de Viseu, que recolhemos a história que partilhamos hoje convosco. Sabíamos que a festa da Páscoa era vivida de forma intensa nesta região, mas o que a nossa querida Zulmira partilhou connosco surpreendeu-nos tanto que não podíamos deixar de relatar esta história na nossa rúbrica Entre Histórias. Muito agradecemos a partilha destas memórias com mais de 50 anos.

 

Quando eu era nova, o tempo da Quaresma era muito duro para a mocidade. Não se podia dançar nem cantar desde o Carnaval até à Páscoa. Cantar e dançar, os prazeres que fazem sorrir a nossa interlocutora. Privarem-se destas alegrias era duro, mas ninguém ousava quebrar as regras, porque era assim. A tradição não se desrespeitava e, numa região e numa época profundamente religiosas, a tradição não era só cultura, era fé.

No Sábado Maior – o sábado de Páscoa – às 10h, tocava o sino. Ouviam-se as pessoas mais velhas, onde quer que estivessem, a cantar “Aleluia, Aleluia”. As pessoas não se juntavam, cantavam das suas casas, da rua, de onde estivessem, assim que tocava o sino. 

Começava a Festa. A grande Festa da aldeia e de todo o concelho. As mulheres juntavam-se junto aos fornos a lenha e faziam o pão de ló. Farinha e açúcar e nada mais, para a maioria era o único bolo que comiam durante todo o ano. 

A emoção na voz revela ainda mais do que as suas palavras saudosas. Nem os meus filhos se lembram disto. Há cinquenta anos, havia muita pobreza, mas havia tanta alegria.

No Sábado Maior, fazíamos umas rifas com o nome das raparigas e cada rapaz tirava uma rifa com um dos nomes. A rapariga que lhe calhasse seria a sua comadre. E era tradição os compadres oferecerem um saco de amendoas às comadres, na 2ª feira de Páscoa. E as raparigas, não ofereciam nada aos rapazes? Era uma época de muita pobreza. Como os rapazes começavam a trabalhar e a ganhar dinheiro mais cedo, eram eles que deviam oferecer as amendoas às raparigas.

As mães das raparigas mandavam fazer-lhes vestidos novos às costureiras. E depois era sempre a ver quem andava mais bonita. Sapatos, só quando calhava é que tínhamos novos. Se já tivéssemos, não se comprava.

Na nossa aldeia, a Grande Festa da Páscoa, era apenas na 2ª feira porque o padre passava o domingo em Tonda, aqui ao lado. No Domingo, aproveitávamos para arranjar a casa. Punhamos flores nas paredes, por fora. Flores lindas. Lírios, giestas… Toda a aldeia ficava enfeitada para receber a visita pascal no dia seguinte.

Na 2ª feira, a seguir à missa, os rapazes e as raparigas novas juntavam-se ao padre e ao homem da cruz, durante a visita pascal. Os sinos não paravam de tocar. E nós dançávamos de roda e cantávamos “Aleluia, Jesus ressuscitou”. Tínhamos andado tanto tempo sem dançar nem cantar, que naquele dia aproveitámos enquanto podíamos.

Ainda hoje, a visita pascal se mantém à 2ª feira, mas apenas algumas famílias continuam a abrir as portas da sua casa para receberem o padre e beijarem a cruz. Após este ritual, os vizinhos e amigos juntam-se em cada casa, para provar iguarias, partilhar conversas e gargalhadas. Há visitas anuais que acontecem apenas nesta época, tornando-a um verdadeiro hino à família e à amizade. Naquela época, o padre demorava-se muito em cada casa, e nós aproveitávamos para dançar e cantar. Todas as pessoas abriam as portas das suas casas e, sobre a mesa, tinham sempre o folar – o pão de ló que as mulheres tinham preparado no Sábado Maior – uma taça com amendoas e uma laranja com uma moeda cravada. Não sabe o porquê desta tradição, mas era assim. Ainda hoje, as pessoas mais velhas têm a laranja com a moeda sobre a mesa, quando recebem o padre na visita pascal. Dizem-nos as nossas fontes que a laranja com a moeda cravada representa a fecundidade na agricultura, por a laranja se dividir em gomos.

À tarde, havia um bailarico no largo da aldeia. E era dançar até de manhã. Era uma festa muito bonita.

 

Obrigada, querida Zulmira, pela partilha, que nos deixou o coração cheio. Assim é e assim era a Páscoa em Póvoa do Rodrigo Alves, no concelho de Tondela e distrito de Viseu. Existirão outras tradições por esse país que queira partilhar connosco?